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A artista visual pernambucana Ana Lira está em Belém com sua exposição NÃO-DITO na galeria do MABEU, com obras concebidas a partir de restos de propaganda eleitoral. Nesta exclusiva para o site da RRN, vamos entender melhor o projeto que foi um dos selecionados do Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2015 e se propõe a ser muito mais que apenas uma exposição de fotografias.

RRN – O resultado do edital, que possibilitou a vinda da exposição para Belém, foi uma surpresa?

Ana Lira – Foi um prazer enorme, porque era uma cidade que paquerava e respeito muito. Tem uma produção no circuito das artes visuais e fotografia muito forte. Por incrível que pareça existe toda uma geração de fotógrafos na cidade de que venho, Recife, formados por pessoas aqui de Belém, pela Associação Fotoativa, por Miguel Chikaoka. Então é impossível pensar na circulação de um trabalho e tirar Belém da lista. Em geral, penso em Belém como a primeira opção, porque acho super importante estar aqui.

RRN – E qual a importância desta itinerância acontecer na capital ?

Ana Lira - Quando o projeto foi concebido enquanto plataforma de discussão artística, produção e de criação, compreendi que seria importante que ele estivesse aqui na cidade, principalmente com o tempo proposto, com ações de formação. Compartilhar sabedorias com as pessoas de Belém, para mim, é essencial. O fato de você estar na Amazônia, que tem outra temporalidade, outra maneira de perceber sensorialmente as coisas é uma característica importante para a realização desta edição do projeto.

RRN – O projeto foi pensado especificamente para ser montado aqui ou apenas adaptado de outras edições? 

Ana Lira - Fizemos uma série de viagens de pesquisa de curta duração para cá antes de montá-la e ficou muito claro que a lógica que orienta a condução das coisas aqui acaba sendo diferente de outras regiões do País, e a gente se interessou muito por esse processo. As letras da exposição, por exemplo, são de um pintor letrista, Luiz Junior, lá do Porto do Sal, que convidamos para o projeto daqui. Fizemos isso depois de conhecer o projeto da Sâmia Batista e da Fernanda Martins, Letras que Flutuam, e termos entendido, por exemplo, que a temática aqui era trabalhada não só a partir de cartazes, como foi em Recife e outras regiões do país, mas trabalhada também a partir de uma pintura de faixas e muros. Isso se apresentou muito forte. Percebo isso como uma tradição que avança pelo Norte da América do Sul, do Caribe e vai até o México, onde as campanhas políticas são feitas muito pela pintura muralista. Entrar em contato com este tipo de perspectiva, enriquece muito minha pesquisa artística. Em contrapartida, pretendíamos deixar alguma coisa para a cidade. Então pensamos em que possibilidades existiriam, do que poderíamos deixar aqui enquanto colaboração.

RRN – Então a exposição que acontece agora em Belém tem um diferencial em relação às demais ?

Ana Lira - A exposição é um dispositivo para além da galeria e busca diálogo com a cidade. Inicialmente, montamos com a intenção que se inicie um processo de discussão, que passa a se desdobrar em diversas outras coisas. Aqui em Belém, especificamente, pretendemos fazer uma série de intervenções urbanas a partir do entendimento de como a cidade funciona, os processos de convivência em bairros mais afastados e mais centrais, e então pensar intervenções, especificamente, em cada um desses lugares.

RRN – Já existe alguma intervenção definida? Envolveria outros personagens da cidade ?

Ana Lira - Buscamos entender primeiramente os espaços. No Ver-o-Peso, por exemplo. É preciso ser considerada toda a paisagem sonora, porque ali existe uma série de sons: o barulho do vento, da maré, dos vendedores... Quando penso numa ação para ser feita lá, todas estas questões precisam ser consideradas. Já na praça Batista Campos, outro espaço pensado, instalamos uma lona. Uma das ideias para lá, desde que viemos a primeira vez, foi pensar num diálogo com vendedores de coco nas barraquinhas. Percebemos que todos eles estavam com as televisões ligadas no mesmo canal. E aí começamos a perguntar se as televisões tinham um circuito único ou cada uma funcionava individualmente. Eles responderam que cada uma era independente. Então, perguntamos: porque estavam todas no mesmo canal? Eles ficaram rindo. Entendo que é um padrão que se incorpora ali. Então pensamos na possibilidade de construir algumas vinhetas específicas e propor uma tarde de exibição audiovisual, que não fosse essa programação aberta da televisão. Para chegar com essa proposta para eles e poder executar, seria preciso construir uma relação. Eles precisam entender quem somos, o que estamos fazendo aqui, que relação temos com a praça e a proximidade dela com o espaço expositivo. Não podemos chegar lá e dizer “coloca esse pen drive” e exibir o que for produzido, porque isso acaba sendo uma agressão, interferindo de uma maneira direta e violenta num processo de cotidiano deles. Essa relação está sendo construída e até o final da exposição vamos propor um dia especificamente que eles exibam uma programação que não é dos programas policiais ou a novela.

Estamos sempre pensando como cada intervenção cabe em cada espaço. Estamos construindo isso aos pouquinhos e temos a intenção que isso seja feito com a participação de artistas locais e existem alguns que já conhecemos e admiramos o trabalho, os quais pretendemos convidar para a ação. Este diálogo já está acontecendo e acreditamos que este processo de formação, de diálogo e intercâmbio são formas de se deixar algo para a própria cidade.

RRN – E o espaço expositivo, tem algum diferencial ou especificidade na edição de Belém?

Ana Lira - Uma coisa em que o projeto tem investido muito, também, é que a galeria seja um espaço aberto, que diversos grupos possam não somente ver a exposição, mas também discutir suas próprias questões. Existe uma convocatória aberta, para que as pessoas ocupem as paredes da galeria com suas demandas, que são os abaixo assinados das associações de moradores, as demandas que os movimentos têm em relação às questões políticas, que é o tema central da exposição. Mas, queremos buscar, principalmente, a questão que trabalha com o não dito sobre temáticas importantes para a Amazônia e que ainda estão nas entrelinhas. Temos buscado investigar, levantar e conversar com diversas pessoas a respeito disso. É muito doido pensar na forma de se tratar dessas temáticas numa exposição de arte, num audiovisual, na construção de um projeto artístico. Porém, na maioria das vezes, alguns temas não conseguem chegar pelas vias tradicionais. Eu tenho me questionado muito, discutido muito com as pessoas que espaço de legitimação é esse que o circuito artístico, onde muitas vezes essas temáticas conseguem circular com tranquilidade e infelizmente não chegam onde deveriam também circular. Essa é uma questão para pensar um pouco.

RNN – E como você tem percebido as reações ?

Ana Lira - As pessoas na verdade ficam muito surpresas. Elas não imaginam que uma exposição de arte possa ter este tipo de espaço, de discussão e construção. O projeto tem esta particularidade desde o início. Quando exibimos ainda em Recife, o educador André Vieira e a mediadora Joana Carvalho, membros da equipe inicial do projeto, estruturaram um programa educativo composto por um mini grupo de leitura semanal, onde os participantes discutiriam textos que norteavam a condição da exposição. Quando viemos para Belém, uma das coisas que conversei muito com o Pablo Lafuente, curador da exposição, foi que a gente precisava vir de coração aberto. Então, ao invés de elencar textos, deveríamos descobrir o que iriamos fazer aqui. Embora o grupo seja intitulado de leitura, ele passa a ser mais que isso, também de discussão e experimentação. Nele, abrimos espaço para oportunizar discussões que possam ser importantes, que a gente possamos ler textos, mas também ter acesso a experiências estéticas que possam ser relevantes. Um dos grupos confirmados é o Coletivo Pitiú de Belém. As meninas irão trazer o trabalho delas para mostrar que é a partir de uma experiência estética, e isso para nós é muito importante.

O retorno que as pessoas têm dado tem sido magnífico, porque elas se surpreendem com o contexto da exposição, com o fato que o projeto não é simplesmente para você entrar e contemplar, mas para interagir, para discutir e construir coisas juntos também. Muitas vezes o artista chega com a obra já feita e essa obra é apenas reproduzida em cada edição. O que buscamos nesse projeto, especificamente, é que nesta plataforma a colaboração de quem está visitando poderá ser incorporada nas edições seguintes. Esse diálogo é importante e por estou presente a participando durante todo o período, porque também estou desenvolvendo minha pesquisa artística a partir destes diálogos e intercâmbios. Ele é completamente orgânico, podendo inclusive a exposição ser modificada ao longo do processo.

SERVIÇO

NÃO-DITO - Exposição da artista Ana Lira

De 11/01/17 a 24/02/17

Galeria de Arte do MABEU-CCBEU - Museu de Artes Brasil-Estados Unidos

Travessa Padre Eutíquio, 1309 - Batista Campos - Belém

Visitação gratuita à exposição: segunda a sexta, das 14h às 19h e sábado, das 9h às 12h.

Próximas Rodas de Conversa: 11 e 18/2, das 14h às 17h

Visitas de grupos e escolas: segunda a sexta, das 9h às 14h, com agendamento.

Informações e agendamentos: (91) 3221-6116 ou (91) 3221-6143

Acompanhe os resultados no https://www.facebook.com/naodito/

Mais informações sobre a exposição AQUI

Por Afonso Gallindo/Comunicação RRN

Janeiro/2017

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