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CINQUENTA VEZES

TEATRO

Henrique da Paz, diretor e ator paraense

  Este ano, 2017, o grupo GRUTA completa 50 anos de existência. Criado em Icoaraci, um distrito próximo da capital paraense, é um dos grupos de pesquisa mais antigos do Brasil e um dos pioneiros no Norte do país, tendo iniciado suas atividades ainda na década de 60. Nesta entrevista exclusiva para o site da Representação Regional Norte do MinC, o diretor e ator paraense Henrique da Paz conta um pouco da trajetória deste importante grupo teatral da cena paraense.

RRN -  De onde veio a inspiração para criar o GRUTA? Quem participava?

Henrique da Paz - O GRUTA foi criado a partir de um grupo formado por estudantes secundaristas ligados à paróquia de Icoaraci, numa associação chamada Juventude Paroquial e que, liderado pelo sociólogo Samuel Spener, realizava estudos políticos, ações na comunidade e diretamente na paróquia. O objetivo desse grupo era conscientizar a comunidade e protestar contra a ditadura militar imposta ao País e também a falta de eventos culturais na Vila -  estamos falando, portanto, da década de 60. Exatamente em 1967, o grupo lança mão da linguagem teatral e monta o espetáculo “Show de Cantorias da Juventude Livre”, uma colagem de textos (Liberdade, Liberdade, Arena conta Zumbí e Show Opinião). Estava lançada a semente que alguns anos depois seria o GRUTA. Algumas pessoas desse primeiro espetáculo continuaram no grupo, outras foram convidadas depois. Dentre os participantes destaca-se Salustiano Vilhena, um dos fundadores do grupo teatral propriamente dito.   

RRN -  Como foi o início do percurso em Icoaraci? Como e onde as apresentações aconteceriam?

Henrique da Paz - O início das atividades do GRUTA foi difícil e ao mesmo tempo prazeroso, pois apesar de sermos carentes materialmente falando, tínhamos um “tesão” que nos levava a superar todas as dificuldades. Conseguimos um espaço no salão paroquial onde funcionava o Grêmio Recreativo São João Batista, em Icoaraci, e foi lá que relizamos vários espetáculos. Fizemos apresentações também no auditório do Colégio Nossa Senhora de Lourdes.

RRN -  Independente de sua atuação à frente do GRUTA, você participou de vários trabalhos como ator. Fale um pouco deste processo.

Henrique da Paz - Após esse meu início em Icoaraci, fui convidado pelo Geraldo Sales para participar do espetáculo “Antígona”, de Sófocles, em 1970, e mais tarde, com a criação do Grupo Experiência, trabalhei nesse grupo até 1977, quando ingressei no Cena Aberta, ficando no mesmo até 1985, e foi nesse grupo que iniciei a minha carreira de diretor no espetáculo “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, em 1981.

RRN -  Como foi a primeira apresentação do grupo em Belém? Onde aconteceu? Com qual espetáculo?

Henrique da Paz - A primeira vez que o GRUTA saiu de Icoaraci foi em 1971, para apresentar o espetáculo “O Auto da Cananéia”, de Gil Vicente, convidados pelo Cláudio Barradas e a apresentação se deu no auditório da antiga SAI (Sociedade Artística Internacional).

A Província do Pará, 1971

RRN - O grupo “hibernou” por um tempo. Existia a vontade de se reorganizar ou apenas refletiu o seu momento?

Henrique da Paz - Desde a sua criação, em 1967, o GRUTA seguiu produzindo até 1979, em Icoaraci. À partir dessa data, por motivos diversos, houve uma dispersão do grupo, interrompendo assim suas atividades, que só seriam retomadas em 1987, já em Belém.

RRN -  O retorno do GRUTA aconteceu de maneira inusitada e criativa. Fale um pouco sobre o processo de “Cínicas e Cênicas”? Qual foi a repercussão?

Henrique da Paz - Iniciamos o processo de “Cínicas e Cênicas”, meio que de “brincadeira”, a partir da idéia do Marton Maués, que junto comigo dirigia o Gruta. A proposta era montar um texto de colagem, que tinha como temática o “lixo cultural” e que seria uma criação coletiva. O espetáculo emplacou e fizemos temporada no Teatro Waldemar Henrique, em 1987.

RRN - Comente sobre o conceito “lixo cultural”? O que ele refletia? Você ainda considera o conceito atual?

Henrique da Paz - O tal do “lixo cultural”, era tudo que nós considerávamos como dispensável para o desenvolvimento social: a religião, a escola (conservadora), o machismo, o conservadorismo, a homofobia, a política, tudo isso que até hoje está na pauta do dia de nossa realidade. Portanto tudo aquilo que nós discutíamos naquele momento, continua atual.

RRN - O grupo também fez adaptação de textos de Franz Kafka. Que projeto resultou dessa iniciativa e quais as dificuldades enfrentadas? Esta montagem participou de festivais fora do Pará. Pode comentar a experiência?

Henrique da Paz - Em 1989, fiz a adaptação da obra “O Processo”, de Franz Kafka, que foi levado à cena com o título “Caosconcadicáfica” e dirigido por mim. As dificuldades foram mais de natureza econômica do que técnica. Apesar das dificuldades, com este espetáculo o GRUTA participou pela primeira vez de um Festival de Teatro, em Piracicaba (SP), realizado pela Confederação Nacional de Teatro Amador (CONFENATA). Esta experiência inédita para nós e deu mais amadurecimento profissional, mais confiança na qualidade artística do nosso trabalho.

RRN - O que o motivou fazer a adaptação de “Tartufo”, de Molière, imerso em elementos regionais? Comente como o processo aconteceu?

Henrique da Paz - A ideia era fazer uma comédia, pois até então o GRUTA vinha trabalhando com temas mais pesados, mais trágicos e para isso escolhemos “O Tartufo”, de Molière, que é uma comédia francesa, neoclássica, à qual foram acrescentados elementos da nossa cultura popular regional. Isso se refletiu no figurino e na caracterização de alguns personagens, que, como na Commedia dell’Arte Italiana, portavam narizes pontudos, inspirados nos personagens do Boi Tinga, de São Caetano de Odivelas.

RRN - Como se deu seu retorno à cena na adaptação de textos de Bertolt Brecht? O que motivou a escolha deste dramaturgo?

Henrique da Paz - Em 2004, a Casa de Estudos Germânicos nos propôs a montagem de um texto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956) à nossa escolha. Escolhemos dois textos: “Quanto Custa o Ferro” e “Dansen”, que foram adaptados para um só texto. Quem dirigiu o espetáculo foi o Adriano Barroso que me convidou para fazer alguns personagens.

RRN -  O espetáculo “A Vida” recebeu diversas montagens desde sua primeira apresentação, ainda na década de 90. Em que contexto ele foi concebido e quais as principais variações ocorridas no texto com o passar do tempo?

Henrique da Paz - “A Vida, Que Sempre Morre, Que se Perde em Que se Perca?” foi concebido e apresentado em 1990, como uma forma de protestar e criticar a política praticada na época, uma vez que o Collor de Melo havia sido eleito, concorrendo com um candidato da esquerda. Na sua remontagem, esse espetáculo, criado e dirigido por mim, manteve o mesmo texto e sofreu mudanças referente ao número de atores, que foi bastante reduzido (na primeira montagem, em 1990, eram 12 atores em cena e foram reduzidos à metade em 1997).

Espetáculo "A Vida..." / Foto Hamilton Braga 

RRN -  Porque a opção da técnica ‘distanciamento’ neste espetáculo em particular? Qual é sua contribuição nesta encenação em particular?

Henrique da Paz - A técnica de “distanciamento” usada neste espetáculo teve por objetivo colocar o ator de “cara limpa” diante do espectador ao emitir alguns textos que eu chamo de “interferências”, de outros autores além do Sófocles. O uso dessa técnica faz com que o espectador esteja sempre desperto e reflexivo durante o evento que acontece na sua presença.

RRN - Nos últimos anos, sua trajetória como ator ultrapassou os limites do proscênio. Fale um pouco dessa experiência?

Henrique da Paz - Comecei no GRUTA como ator. Tempos depois passei a atuar e a dirigir e aos poucos passei a atuar também numa outra linguagem que é o cinema, que tem sido uma experiência incrível, pois me possibilita avaliar as minhas ténicas de representação.

RRN - Você se considera um diretor/ator crítico? Você percebe isso refletido em seu percurso?

Henrique da Paz - Sim, e isso é perceptivo nas minhas escolhas de textos – só me interessam textos que discutam, de alguma forma, questões existenciais da humanidade - e nos meus critérios de encenador, no se refere às questões estéticas dos meus espetáculos.

A Casa do Rio - Foto Marcelo Lelis

RRN - Este ano, o GRUTA comemora 50 anos de existência com novo projeto, A Casa do Rio. A montagem já esteve em diversos espaços na cidade. Comente sobre o processo de montagem e o elenco que a compõe?

Henrique da Paz - Esse espetáculo, à partir do texto do Adriano Barroso, que é um texto sutil, belo e misterioso, só poderia ser encenado por três atrizes experientes, belas e talentosas, que a partir de conversas com a direção, se apropriaram das personagens de uma forma intensa e conseguiram passar uma forte carga emocional. Estou falando das atrizes Astréa Lucena, Monalisa da Paz e Waléria Costa.

RRN - Na sua opinião o que mudou ou poderia melhorar na cena do teatro paraense?

Henrique da Paz - Pouca coisa mudou no que diz respeito ao teatro paraense. Acho que seria um grande avanço a criação de políticas culturais e a organização da categoria em algum tipo de entidade representativa.

Colaboração: Afonso Gallindo - DRT 2759/PA

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